1. Contextualização: perfuração
As operações de perfuração ajudam a construir o furo de poço da superfície até a formação do reservatório. Como a construção do poço é feita em seções, diferentes sistemas de fluido de perfuração são usados para cada seção, a fim de corresponder aos tipos de rocha previstos e minimizar os problemas relacionados à perfuração. Dependendo das estratégias de completação selecionadas, as seções do reservatório são geralmente perfuradas usando um sistema dedicado chamado Reservoir Drilling Fluid (RDF) para ajudar a minimizar os danos da formação próxima ao poço e maximizar a produtividade geral. Após finalizada a perfuração, o furo de poço é preparado para receber equipamentos de completação pela transição do fluido de perfuração para o fluido de completação. As operações de deslocamento são conduzidas usando uma série de espaçadores projetados para limpar o poço, molhar o revestimento com água e minimizar a contaminação durante a transição do fluido de perfuração para o fluido de completação. Por outro lado, as operações de recondicionamento são realizadas para ajudar a melhorar a produtividade ou prolongar a vida útil do poço, substituindo ferramentas de completação defeituosas ou realizando tratamentos de remediação [1,2].
2. Definição dos fluidos de perfuração
Fluidos de perfuração, muitas vezes chamados de lama de perfuração são, inicialmente, misturas de argila e água, que desempenham um papel vital na construção de poços. Os fluidos de perfuração são circulados durante o processo pela tubulação e através de bicos na broca. Após sair da broca, o fluido retorna pelo espaço anular entre o tubo de perfuração e o revestimento ou formação onde, após passar pelo controle de sólidos, o fluido repete o mesmo caminho. Durante esse escoamento, os fluidos de perfuração possuem diversas funções, como controlar a pressão do fluido do poço, estabilizar o poço, limpar o poço removendo cascalhos provenientes da perfuração, vedar a formação, resfriar e lubrificar a broca e muitas outras.
O desempenho adequado dessas funções requer propriedades específicas apropriadas do fluido, que por sua vez são geradas por adição de produtos químicos. Vale ressaltar que, como as condições de aplicação desses fluidos são as mais diversas, eles são inerentemente dinâmicos. Por isso, são fluidos que mudam constantemente à medida que interagem com a formação e a broca, incorporam sólidos de perfuração, absorvem fluidos e gases da formação e passam por mudanças dramáticas de temperatura e pressão [3,4].
Nos quase 120 anos, a tecnologia de fluidos de perfuração e a complexidade química aumentaram drasticamente, proporcionando novas funcionalidades, otimizando o desempenho e permitindo a construção de poços cada vez mais desafiadores. O maior entendimento do comportamento do fundo de poço, junto com os compostos químicos aditivos em constante expansão, facilitou mudanças significativas de etapas desde os primeiros fluidos simples até os modernos fluidos à base de água de alto desempenho (HPWBFs). A próxima seção começará com uma discussão sobre as funções dos fluidos de perfuração. Em seguida, são abordadas as classes de fluidos de perfuração com foco específico em fluidos aquosos e não aquosos. Para ambas as classes, os aditivos e químicos necessários para formular os fluidos são listados, bem como os diferentes tipos de fluidos dentro de cada classe principal.
3. Principais funções dos fluidos de perfuração
As principais funções do fluido de perfuração, junto com suas propriedades são discutidas a seguir.
3.1 Gerenciamento da pressão de formação e estabilidade do poço - densidade do fluido
Durante a perfuração, porções substanciais da formação são deixadas abertas e em contato com o fluido de perfuração à medida que a perfuração progride de um ponto de revestimento para o próximo. Fornecer a pressão hidrostática necessária para contrabalançar a pressão de formação que é liberada após a criação de um poço é fundamental para evitar o colapso do poço e reter com segurança os fluidos da formação. A densidade do fluido, ou peso da lama (Mud Weight), é o parâmetro mais crítico para fornecer pressão hidrostática adequada, que depende da profundidade aplicada e do seu peso.
Em fluidos de perfuração padrão, a densidade é alcançada principalmente através do uso de agentes insolúveis de alta gravidade específica, muitas vezes referidos como "sólidos de alta gravidade (HGS)". Dentre esses agentes, a forma mineral de sulfato de bário (barita), é a mais comum. A predominância da barita é devido à sua alta densidade, sua disponibilidade, atrelado ao baixo custo e sua natureza pouco abrasiva [2].
3.2 Limpeza do furo - propriedades reológicas do fluido
A remoção de cascalhos de rocha gerados no processo de construção do poço é um requisito para a perfuração. O fluido de perfuração é o meio através do qual os cascalhos são retirados do poço onde podem ser separados na superfície. Após a separação, os sólidos de perfuração podem ser descartados adequadamente e o fluido de perfuração limpo é recirculado para o fundo do poço novamente. A limpeza deficiente do furo pode resultar em várias consequências negativas, incluindo torque excessivo e arrasto na coluna de perfuração, aderência mecânica do tubo, incapacidade de realizar o revestimento e baixa taxa de penetração [14].
A limpeza adequada depende da velocidade do fluido e das suas propriedades reológicas. Os fluidos de perfuração são fluidos não newtonianos e, portanto, têm uma relação não linear entre a tensão de cisalhamento e a taxa de cisalhamento. Como resultado, os fluidos de perfuração possuem uma viscosidade que depende da taxa de cisalhamento. Os fluidos de perfuração também são tixotrópicos, a tensão de cisalhamento muda com o tempo a uma taxa de cisalhamento fixa.
3.3 Selar formações permeáveis
Muitas formações perfuradas são razoavelmente permeáveis, permitindo a infiltração do fluido de perfuração [21]. A formação permeável atuará como um meio filtrante e os sólidos suspensos do fluido de perfuração (sólidos de perfuração + agente de ponderação), se acumularão na interface da formação gerando uma torta de filtro. Se não for controlado, esse processo de filtragem pode levar a uma série de consequências negativas. Uma delas é a queda na produtividade além da redução efetiva no diâmetro do poço e na aderência diferencial. Com essa redução do diâmetro, a coluna de perfuração fica descentralizada e sujeita a uma pressão diferencial que aumenta, de forma descontrolada, a aderência, dificultando a liberação do tubo [24].
Para evitar esses problemas, aditivos são incorporados ao fluido de perfuração, o que reduz a perda de fluido para a formação e gera tortas de filtro finas e de baixa permeabilidade [22]. Os agentes de ponte são materiais sólidos que estão dispersos no fluido, que formam uma matriz na face da formação. Esses agentes de obstrução podem incluir agentes de ponderação e sólidos de perfuração, além deles, também são adicionados materiais como carbonato de cálcio com várias distribuições de tamanho de partícula para fornecer uma faixa mais ampla.
3.4 Redução do atrito - lubricidade do fluido
Na construção do poço ocorre a geração de atrito por meio do contato superfície-superfície. As principais interações são entre a broca e a formação (metal na rocha), entre a coluna de perfuração e a formação (metal na rocha), e a coluna de perfuração e o revestimento (metal sobre metal). Os efeitos indesejados desses pontos de atrito são o aumento do desgaste, a redução da vida útil dos componentes e o aumento do torque e arrasto durante a perfuração. Os fluidos de perfuração servem para lubrificar esses pontos de contato superfície-superfície e para transferir o calor resultante do atrito. A lubricidade de um fluido de perfuração pode ser determinada de várias maneiras e caso exista a necessidade de aumentar a lubricidade do fluido de perfuração, uma infinidade de lubrificantes líquidos e sólidos estão disponíveis como aditivos para esses fluidos.
3.5 Outras funções
Outras funções do fluido de perfuração incluem: fornecer flutuabilidade para ajudar a suportar o peso da coluna de perfuração; fornecer energia hidráulica para a atuação de ferramentas de fundo de poço, como motores de lama; fornecer um meio para transferência de dados (telemetria de pulso de lama) de ferramentas de fundo de poço; e minimizar os danos na formação [1]. A lista de funções apresentada serve para ilustrar o papel vital que os fluidos de perfuração desempenham na construção de poços.
4. Tipos de fluidos de perfuração
Com o desenvolvimento da tecnologia de fluidos de perfuração, existe uma lista crescente de fluidos de perfuração. Os tipos de sistema de lama (fluido) podem ser selecionados com base nos requisitos reais da engenharia de perfuração para as propriedades da lama, o custo de operação e os regulamentos de proteção ao meio ambiente. Atualmente, existem diferentes maneiras de categorizar fluidos de perfuração, mas a mais comum é classificar com base no fluido de base e ingredientes primários, pelo qual geralmente é classificado em fluidos de perfuração aquosos, fluidos de perfuração não aquosos e fluidos de perfuração gasosos [6]. Um mapa mental com um resumo dos fluidos está disponível neste link: https://mm.tt/2254687631?t=FhQOcodcHk
4.1 Não aquosos
Este tipo de fluido de perfuração usa óleo (ou produtos químicos orgânicos sintéticos) como meio disperso. É composto de óleo (ou produtos químicos orgânicos sintéticos), argilas orgânicas e agentes. A lama à base de óleo também contém água e pode ser subdividida pelo conteúdo de água. Eles se subdividem em lama de óleo puro, base sintética e emulsão invertida [6].
4.1.1 Fluido de perfuração de petróleo puro
A lama à base de óleo que possui teor de água inferior a 10% é chamada de fluido de perfuração de petróleo puro. O óleo usado para fazer esta lama pode ser óleo mineral (por exemplo, óleo bruto, óleo branco, diesel, etc.) ou produtos químicos orgânicos sintéticos. A argila orgânica usada é bentonita tratada com surfactante de amina de ácido graxo quaternário. Os principais agentes na lama de óleo puro incluem agente redutor de perda de fluido (por exemplo, asfalto oxidado) e emulsificante (por exemplo, estearato de cálcio).
Entre suas principais vantagens está a resistência à temperatura, o anti-colapso, além de evitar o aprisionamento do tubo e resistir à corrosão. Ademais, possui boa lubrificação, evita a contaminação e protege o reservatório. Entretanto, suas principais desvantagens são o alto custo e a poluição ambiental associada. A lama de óleo puro é adequada para perfurar formações de xisto, de sal e de gesso, especialmente aplicada para formações de alta temperatura [6].
4.1.2 Fluido de perfuração de emulsão invertida
A adição de água (teor de água superior a 10%) na lama à base de óleo junto com o emulsificante origina o fluido de perfuração de emulsão invertida. O emulsificante usado para fazer a emulsão invertida é um surfactante organofílico. Este fluido de perfuração possui as propriedades da lama de óleo puro, porém com um custo menor em relação ao do óleo puro, além disso, possui a mesma faixa de aplicação que a lama de óleo puro [6].
4.1.3 Fluido de perfuração à base de óleo sintético
O fluido de perfuração que utiliza produtos químicos orgânicos sintéticos (conhecidos como óleo sintético) como fase contínua é chamado de fluido de perfuração de base sintética, que é um substituto da lama convencional à base de óleo. Os produtos químicos orgânicos sintéticos incluem parafina de cadeia linear, olefina de cadeia linear, ésteres e éteres. Estes fluidos mantêm as excelentes propriedades da lama à base de óleo, além de reduzir significativamente a poluição do ambiente. São especialmente adequados para perfuração em offshore e outras áreas de alto risco, para obter uma eficiência geral desejável.
4.2 Aquosos
Fluidos de perfuração aquosos usam água como meio de dispersão. É normalmente composto de água, bentonita e agentes. Também pode ser subdividido em fluido de perfuração não inibidor e fluido de perfuração inibidor, fluido de perfuração de emulsão e fluido de perfuração de espuma (à base de água) [6].
4.2.1 Fluido de perfuração inibidor
É baseado em água e usa inibidor de xisto como base, sua função é manter as partículas de argila em uma dispersão de partículas grosseiras. Pode ser dividido conforme seu agente inibidor em seis categorias (cálcio, potássio,sódio,silicatos, polímero e MMH) [6]. Um resumo das características de cada um pode ser observado no mapa mental do link: https://mm.tt/2254687631?t=FhQOcodcHk
4.2.2 Fluido de perfuração não inibidor
Esse fluido é baseado em água, com adição de bentonita e dispersante, um sinônimo para esse tipo de fluido é fluido com dispersos finos. Dentre os tipos de dispersantes existem o de desgaste e os utilizados para evitar a perda de fluido (CMC, celulose polianiônica, lignina modificada, etc). Suas principais vantagens são o baixo custo, a alta densidade (>2g/cm3) e resistência à temperatura. Também vale destacar suas desvantagens como: baixa capacidade de inibição; baixa proteção da formação; baixa capacidade de evitar a contaminação de cálcio e sal; e baixa taxa de penetração (partículas de argila muito finas)[6].
4.2.3 Fluido de perfuração de emulsão
A adição de óleo e emulsificante, geralmente um surfactante solúvel em água, no fluido de perfuração com base aquosa, origina o fluido de perfuração de emulsão. O óleo usado para fazer o fluido de perfuração de emulsão pode ser óleo mineral ou óleo sintético. A perfuração por emulsão tem alta lubricidade, baixa perda de fluido e boa capacidade de proteção da formação, por isso é adequada para perfurar as formações problemáticas como as que provocam o enceramento da broca e o aprisionamento de tubos [6].
4.2.4 Fluido de perfuração de espuma
A adição de agente de espuma e/ou estabilizador de espuma no fluido de perfuração à base de água e misturado com gás produz fluido de perfuração de espuma. Por usar a água como meio disperso, pertence aos fluidos à base de água. O gás que é usado para fazer o fluido de perfuração de espuma pode ser ar, nitrogênio e dióxido de carbono. O fluido de perfuração de espuma tem baixo atrito, alta capacidade de transporte de cascalho e boa capacidade de proteger formações com baixa pressão. É usado principalmente para perfurar formações de baixa pressão e propensas ao colapso [6].
4.3 Gasosos
O fluido de perfuração que usa gás (por exemplo, ar, nitrogênio, dióxido de carbono, gás natural, etc.) como meio disperso é chamado de fluido de perfuração gasoso. Para garantir um transporte eficiente, a velocidade de retorno do fluido pelo anular deve ser superior a 15 m/s. O fluido de perfuração gasoso tem baixa densidade e alta taxa de perfuração, de modo que pode proteger a formação e prevenir efetivamente a perda de circulação.
Entretanto, este fluido também possui algumas desvantagens como a de gerar um atrito seco e de ser inflamável e/ou explosivo. Quando a formação tem água, é comum a ocorrência de acidentes graves, como colagem de tubos, colapso do poço, etc. No contexto de um poço estável, o fluido de perfuração gasoso é adequado para formações de baixa pressão, de fácil vazamento e de óleo pesado [6].
5. Referências
[1] R. Caenn, H.C.H. Darley, G.R. Gray, Composition and Properties of Drilling and Completion Fluids, sixth ed., Gulf Professional Publishing Elsevier, Waltham, MA, 2011.
[2] T.G.J. Jones, T.L. Hughes, Drilling fluid suspensions, in: L.L. Schramm (Ed.), Suspensions: Fundamentals and Applications in the Petroleum Industry, American Chemical Society, Washington D.C, 1996, pp. 463564.
[3] S.D. Ukeles, B. Grinbaum, Drilling fluids, in: R.E. Kirk-Othmer (Ed.), Kirk-Othmer Encyclopedia of Chemical Technology, fifth ed., John Wiley and Sons, 2000, pp. 142.
[4] R. Caenn, G.V. Chillingar, Drilling fluids: state of the art, J. Pet. Sci. Eng. 14 (1996) 221230.
[6] Zhichuan Guan, Tinggen Chen, Hualin Liao. Theory and Technology of Drilling Engineering; Springer Nature Singapore Pte Ltd ; ISBN 978-981-15-9327-7 (2021).